Mesa saudável, farta e diversa, boa companhia e tempo para poder desfrutar. Assim se vive mais no Mediterrâneo.
Os povos que habitam as bordas do mar Mediterrâneo vivem bem - e grande parte do mérito se deve a sua dieta naturalmente saudável, cheia de pequenos hábitos alimentares que fazem toda a diferença. Há milênios os mediterrâneos preferem o azeite - extraído das azeitonas que sempre foram fartas nas terras áridas da região - à manteiga, que nunca foi abundante por ali. Como não há pasto, não há fartura de carne ou leite. Mas sobram peixes e frutos do mar. E, em um clima quente e ensolarado como aquele, há uma profusão de frutas e vegetais, que são consumidos frescos ou secos. Assim, conduzidos pela escassez, os povos da região desenvolveram sem notar uma dieta saudável, com pouco colesterol, o que resulta em baixíssimos índices de doenças cardíacas, diabetes, hipertensão e obesidade.
A longevidade mediterrânea começou a chamar a atenção da ciência nos anos 40 e logo o foco se voltou para a culinária local. De repente, as receitas tradicionais saltaram da cozinha para os laboratórios e os cardápios invadiram as revistas médicas, o que só fez aumentar a legião de fãs que buscavam viver mais e com mais saúde, mas sem abdicar do sabor. As pesquisas continuam. Em 1997, a prestigiosa Faculdade de Medicina de Harvard, com o Oldways Preservation and Exchange Trust - uma ONG que traduz pesquisas científicas sobre nutrição em dicas práticas - e a Organização Mundial de Saúde, elaboraram uma pirâmide alimentar mediterrânea que resume os hábitos à mesa dos povos longevos da região. O estudo vale por uma consulta ao nutricionista.
Na base do desenho encontram-se produtos consumidos diariamente, como massas, pães, trigo, arroz, frutas frescas e secas, legumes, verduras, ervas e especiarias, leguminosas, nozes, azeite de oliva, queijos, iogurtes e vinho. No meio estão os peixes, frutos do mar, aves, ovos e doces, presentes na mesa algumas vezes por semana. No topo estão as carnes, restritas a porções mensais. E ao longo de toda a pirâmide estão as atividades físicas, como subir e descer montanhas, navegar e caminhar pela cidade. No Mediterrâneo, não há chance para sedentarismo.
Segundo Vanderli Marchiori, diretora da Associação Paulista de Nutrição, a pirâmide mostra que a dieta mediterrânea saudável é composta por polpudas quantidades de fibras, proteínas vegetais, vitaminas, minerais e outras substâncias de nome difícil que o organismo adora. "Esse coquetel protege e estimula o bom funcionamento dos órgãos e equilibra o volume de gordura saturada no sangue, o que pode prevenir o câncer e o surgimento de doenças cardíacas", diz ela.
Conforme indicam pesquisas médicas recentes, existe sim relação entre gordura saturada e colesterol alto, que, por sua vez, está ligado a doenças cardíacas. E existe também uma relação entre fibras e vitaminas e a prevenção do câncer.
Estilo de vida
Mas a fórmula da vida longa às margens do Mediterrâneo extrapola as linhas do cardápio. Nessa região de praias ensolaradas e antigas oliveiras retorcidas pelo vento, vive-se por prazer, e ele está nas coisas simples, como o ato de cozinhar e de alimentar-se, aos quais se dedica outra coisa: tempo. Faz parte da tradição mediterrânea doar-se à mesa e não encaixar as refeições entre uma atividade e outra. "Com tempo, é possível apreciar melhor a comida e, assim, ativar o centro de saciedade no cérebro", explica Vanderli. Alimentar-se com calma e prazer é acertar na quantidade de comida de que o corpo precisa, o que significa ingerir calorias sem excesso.
Outra característica mediterrânea igualmente prazerosa e saudável é a seqüência de pratos de uma refeição, servida em pequenas porções. Entre a entrada e a sobremesa, podem chegar à mesa mais de 20 iguarias. Nesse delicioso costume reside a variedade e a parcimônia, ou seja, come-se de tudo um pouco. Primeiro benefício: uma dieta variada é sinônimo de saúde. Segundo: alimentos bastante calóricos e saudáveis, como o azeite de oliva e as nozes, não viram vilões.
O cio da terra
"A cozinha mediterrânea, dotada dos recursos que a terra oferece, de cores e sabores típicos do sul, é a mistura da tradição e da brilhante improvisação", escreveu a inglesa Elizabeth David, uma das responsáveis pela disseminação dos sabores da culinária mediterrânea pelo norte da Europa.
O mar Mediterrâneo sempre foi um meio de intercâmbio cultural entre berberes, fenícios, romanos, árabes, turcos, mouros e franceses. Numa longa história de ocupações e conquistas, as comidas desses povos cruzaram fronteiras e se firmaram na mesa de 15 países banhados pelo mar e que se estendem por três continentes: Espanha, França, Itália, Albânia, Grécia, Iugoslávia, Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Turquia, Síria, Líbano e Israel. Isso explica por que alguns pratos e bebidas idênticos recebem nomes diferentes em cada país.
Mas a essência é a mesma em todas elas: representam o modo de viver das pessoas, a relação delas com suas tradições e com sua terra. "A culinária mediterrânea está fundamentada nos alimentos que a natureza fornece. Alguns existem na região desde que o mundo é mundo, como as azeitonas, o trigo, a uva, limão, pistache, peixes, carnes e leite de ovinos e caprinos; outros foram levados por diversos povos ao longo do tempo e é impossível conceber a culinária mediterrânea sem eles: tomate, berinjela, abobrinha, pimentão", explica Heloisa Bacellar, culinarista do Atelier Gourmand.
No Mediterrâneo, as pessoas se alimentam de acordo com as estações do ano - pois não encontram todas as hortaliças disponíveis durante todos os meses no mercado. "No final do verão, há pilhas de berinjelas, abobrinhas, pimentões e tomates, e então se fica sabendo que é época de ratatouille, um prato de cozido de legumes", diz a escritora Paula Wolfert, que dedicou 35 anos em pesquisas de campo. Ela verificou que o apreço pelo produto da estação tem efeito benéfico na culinária mediterrânea, obrigando cozinheiros a inventar diversas maneiras de preparar alimentos que se tornariam enjoativos se servidos sempre do mesmo modo.
Com pratos criativos e muito saudáveis à mesa, a dieta mediterrânea só estará completa se houver companhia. "Comer e partilhar são atos inseparáveis", escreveu Paula. Para seus habitantes, cultuar o corpo tem outro significado: é abastecer-se da energia de alimentos e de momentos prazerosos para assim manter as atividades corriqueiras e a saúde em dia.
Xeriatiki salata
• pé de alface
• pé de agrião
• 2 pepinos cortados em gomos ou rodelas
• 2 tomates cortados em gomos
• 1 cebola cortada em gomos
• azeitonas pretas e verdes a gosto
• queijo feta ralado a gosto
• muito azeite, limão e sal a gosto para temperar
Esse prato camponês, simples e bastante apetitoso, ganha um toque bem característico graças ao queijo feta, produto grego feito de leite de cabra e posto em salmoura (que pode ser substituído pelo queijo branco curado). As folhas verdes cortadas são misturadas aos demais ingredientes numa tigela funda, que vai direto para a mesa. Para acompanhar, pão integral e um bom vinho - e está servido um típico prato da dieta da vida longa.
Receita fornecida pelo restaurante Acrópoles
Rua da Graça, 364, São Paulo, SP, (11) 223-4386
Para saber mais
• Cozinha Mediterrânea, Paula Wolfert, Companhia das Letras
• A Book of Mediterranean Food, Elizabeth Davis, Paperback, sem tradução em português
• www.oldwayspt.org - Site da ONG Oldways Preservation and Exchange Trust
Por Tatiana Achcar para a Revista Vida Simples
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